Para ouvir ao som de qualquer música. Hoje tanto faz. Só me conte qual, depois.
O problema, meu querido, não é você. Eu falo sério, sem um pingo de ironia ou falsidade. O problema é comigo. O problema, o problema de verdade, sou eu. Você foi só uma vítima. Vítimas são sempre tão desavisadas. Desatentas. Mas fica aí no teu canto tranquilo que ninguém espera grandes feitos das vítimas. Exceto que elas deixem a história no momento oportuno.
O problema é que eu tenho amor demais, sabe como é? Amo o suficiente pro dobro de mim. Não parece, né? Vendo assim de longe esses meus passos pequenos, esses meus gestos tão contidos. Esses segredos que me embaçam os olhos. Mas, meu bem, quando amo eu sou tempestuosa, exagerada, neurótica, louca. Amo e me sinto tomada, possessa, de um jeito que não sobra espaço pra essas besteiras tais como lembrar onde está o carro no estacionamento do supermercado. Olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Desligar o despertador no domingo.
O problema é que eu não agüento mais tanta baboseira sobre o amor, sobre o qual eu tenho lido. Não me venha com essa historinha de abnegação e nem sei mais o que. Nem tente me empurrar esse dogma furado de “eu espero que você seja muito feliz mesmo que não seja comigo”. Espero coisa nenhuma! Eu quero te ver esvaindo numa poça de sangue. Eu quero te ver morrendo, quero ver desespero em seus olhos quando me afasto. Quero que você sinta que não pode viver sem mim porque só eu sentindo isso é covardia. Pensar que você possa ser feliz sem mim da vontade de gritar até explodir, como costumam acreditar que as cigarras fazem. Puro egoísmo, eu sei. E nem me importo.
O problema é que quando se tem amor demais dentro de si ele desarranja o estômago. O amor vai te fazer sentar no chão da sala abraçando os joelhos e se balançando pra frente e pra trás. Só espera. O amor é um circuito e pra funcionar tem que ter o outro e meu outro é você. Eu quis que fosse você. Veja bem, eu poderia ter escolhido qualquer outro “outro” mas escolhi você. E quando o amor é demais e a gente entrega ele todo na mão de uma pessoa só a gente espera receber de volta nem que seja a metade. O amor é uma troca injusta onde se entrega demais de você pra alguém com as mãos ocupadas. E vai receber um não-sei-o-quê sem forma nenhuma que não te serve nem pra esquentar os pés numa tarde de maio. Entenda como quiser. Paciência.
O problema é que o amor não é paciente. Tem é pressa. É esfomeado. Tem sede e a minha sede só acaba onde começa a tua boca. Mas também é criatura instável, volúvel, tem vida própria. O amor anda nos becos nas noites sem lua procurando a próxima vítima. Te espreita feito bicho selvagem com os dentes a mostra, os olhos venenosos fixos na veia pulsante no teu pescoço.
O problema, coração, é que meu estomago não anda muito bem.
E o sol já se foi faz algum tempo.
"Amor não - não a dor que me impele de escrever isto mesmo sem eu querer, a dor que não será apagada pelo ato de escrever e sim acentuada, mas que será redimida, e se ao menos fosse uma dor digna que pudesse ser colocada em outro lugar que não essa sarjeta negra de vergonha e perda e loucura barulhenta na noite e pobre suor na minha testa" -Kerouac