...ao som de I want you, Elvis Costello.
Às vezes gosto de agir como se você estivesse aqui. Sei lá porque. Talvez eu goste de sofrer. Talvez encontre algum prazer nisso. Moderadamente faz bem ao... Ao coração não! Ao pâncreas, vai saber.
É geralmente num dia normal. Um sábado acima de qualquer suspeita. Então eu acordo acreditando que você já está pra chegar. Quando saio pra fora olho a rua na esperança de te ver virando a esquina. E como não vejo imagino que sim. Nos cumprimentamos com um "Ah! Oi!" como se tivéssemos passado pouquíssimo tempo separados. E o gosto é de café e Colgate. Tem gosto de Bom Dia.
Quando vou preparar o almoço você se encosta no balcão da cozinha, me conta sobre sua semana, belisca um pouquinho dos ingredientes quando não estou olhando e me faz perguntas que já sabe a resposta. Coloco dois copos sobre a pia e encho um deles de Coca-Cola. Tomamos e eu escuto o som do liquido descendo pela sua garganta.
Nos sentamos a mesa e comemos em silêncio. Um prato e comida feita o suficiente pra dois. Você elogia o molho. Tem curry, eu digo. Você diz que é bom. Que gosta.
Ninguém lava os pratos. Comemos a sobremesa no sofá e você deixa cair um pedaço sobre a almofada. Rimos. Limpo o chocolate no canto da sua boca com um beijo leve. Tudo tão natural.
De tarde resolvemos caminhar num parque aqui perto. Quem me vê, me vê sozinha. Mas é numa lufada mais forte de vento que nossas mãos se apertam. E se começa a chover é pra lavar toda essa miséria.
Voltamos e você insiste em me ajudar com pequenas tarefas. Dobramos lençóis. É tarefa impossível dobrá-los sozinha. Os de elástico, então! Mas você ali parece tão cômodo, tão acertado.
Já vai anoitecendo e nos sentamos pra ver televisão. Você se exalta ao comentar a primeira notícia e eu sugiro que coloquemos um daqueles filmes antigos que tanto gostamos. Recostada na balaustrada do navio a mulher loira diz ao homem de sorriso enigmático que o inverno deve ser frio para aqueles que não têm memória. De você vem um cheiro de banho morno e braços apertados num abraço.
O filme acaba e nos despedimos demoradamente. Você mal foi embora e eu já espero o telefone tocar.
Mas não toca.
Só há um prato na pia. Um único copo sujo. Um único lugar afundado no sofá.
Quando me deito pra dormir meus sintomas estão curados. E não é como se eu me contorcesse de dor e de vontade de você. Mesmo que no fundo soubesse que não passei nem perto dos seus pensamentos hoje. Faço uma oração pra que você durma bem e que teus sonhos te tragam pra perto de mim.
Me enrolo no cobertor e adormeço decidindo se você volta no domingo.
"Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos nas pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. (...) Entretanto vida diferente não quer dizer vida pior, é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas também exato que perdeu muito espinho que fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. "
Às vezes gosto de agir como se você estivesse aqui. Sei lá porque. Talvez eu goste de sofrer. Talvez encontre algum prazer nisso. Moderadamente faz bem ao... Ao coração não! Ao pâncreas, vai saber.
É geralmente num dia normal. Um sábado acima de qualquer suspeita. Então eu acordo acreditando que você já está pra chegar. Quando saio pra fora olho a rua na esperança de te ver virando a esquina. E como não vejo imagino que sim. Nos cumprimentamos com um "Ah! Oi!" como se tivéssemos passado pouquíssimo tempo separados. E o gosto é de café e Colgate. Tem gosto de Bom Dia.
Quando vou preparar o almoço você se encosta no balcão da cozinha, me conta sobre sua semana, belisca um pouquinho dos ingredientes quando não estou olhando e me faz perguntas que já sabe a resposta. Coloco dois copos sobre a pia e encho um deles de Coca-Cola. Tomamos e eu escuto o som do liquido descendo pela sua garganta.
Nos sentamos a mesa e comemos em silêncio. Um prato e comida feita o suficiente pra dois. Você elogia o molho. Tem curry, eu digo. Você diz que é bom. Que gosta.
Ninguém lava os pratos. Comemos a sobremesa no sofá e você deixa cair um pedaço sobre a almofada. Rimos. Limpo o chocolate no canto da sua boca com um beijo leve. Tudo tão natural.
De tarde resolvemos caminhar num parque aqui perto. Quem me vê, me vê sozinha. Mas é numa lufada mais forte de vento que nossas mãos se apertam. E se começa a chover é pra lavar toda essa miséria.
Voltamos e você insiste em me ajudar com pequenas tarefas. Dobramos lençóis. É tarefa impossível dobrá-los sozinha. Os de elástico, então! Mas você ali parece tão cômodo, tão acertado.
Já vai anoitecendo e nos sentamos pra ver televisão. Você se exalta ao comentar a primeira notícia e eu sugiro que coloquemos um daqueles filmes antigos que tanto gostamos. Recostada na balaustrada do navio a mulher loira diz ao homem de sorriso enigmático que o inverno deve ser frio para aqueles que não têm memória. De você vem um cheiro de banho morno e braços apertados num abraço.
O filme acaba e nos despedimos demoradamente. Você mal foi embora e eu já espero o telefone tocar.
Mas não toca.
Só há um prato na pia. Um único copo sujo. Um único lugar afundado no sofá.
Quando me deito pra dormir meus sintomas estão curados. E não é como se eu me contorcesse de dor e de vontade de você. Mesmo que no fundo soubesse que não passei nem perto dos seus pensamentos hoje. Faço uma oração pra que você durma bem e que teus sonhos te tragam pra perto de mim.
Me enrolo no cobertor e adormeço decidindo se você volta no domingo.
"Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos nas pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. (...) Entretanto vida diferente não quer dizer vida pior, é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas também exato que perdeu muito espinho que fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. "