terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Depois de Você

15 maldades alheias

Para ler ao som de “Os outros”, Leoni.

Meu calendário foi zerado no dia em que você se foi. Posso contar a minha vida por esses dois períodos - o antes e o depois de você. O antes é tudo simplificado. São lembranças meio vagas, meio opacas, como fitas velhas de VHS. Foram dias nublados dos quais nem me lembro direito. E se não trouxesse algumas cicatrizes poderia jurar que não foram reais. Tem uma no meu pé direito que prova que alguns anos atrás, na época agora denominada Antes de Você (ou AV, pra encurtar) me acidentei de forma estranha com um prato num acampamento. Tenho muitas histórias pra contar dessa época, algumas eu só sei porque me contaram. Mas muitas delas merecem créditos de contos ou lendas, não sei. São meio desfocadas. Lembro de ter muitos objetivos e sonhos, alguns bons amigos, muitas risadas, fins de semana atarefados. Alguns desapontamentos, claro. Mas hoje são contados sem traumas. Não deixaram danos permanentes.

Aí vem um período um tanto confuso que eu poderia chamar de entre-épocas. Mais ou menos como a história e Jesus Cristo, entende? Se estivéssemos falando dele, ele agora estaria andando sobre as águas ou multiplicando uns peixes. Eu estaria encontrando você. E eu poderia chamar isso de milagre porque é assim que chamam as coisas inacreditáveis e sem explicação que se deve agradecer todos os dias. Então vem o caos, que eu também poderia chamar de crucificação porque foi como eu senti. Só que meu coração não voltou a bater depois de três dias. E ninguém foi salvo por isso. Na verdade, depois “disso” eu me sinto cada dia mais sem rumo. Foi o fim e todo fim trás em si algo de melancólico e deprimente porque significa que alguma coisa está sendo perdida. É, fins podem indicar o começo de alguma outra coisa mas esses começos nem sempre são tão bons quanto aquilo que terminou.

Então nos encontramos onde eu, e de certa forma você, estamos. Fácil de presumir. Estamos no período Depois de Você (ou DV, se preferir). Têm sido dias tão claros e tão marcados. Cada dia é como uma fotografia que penduro na parede e com o tempo posso ver sua imagem sem nem mesmo olhar pra ela. O tempo anda rápido nessa nova época e eu não sei o porquê de tanta pressa quando é óbvio que, sem você, não irei a lugar nenhum. A vida continua mas continua daquele jeito, sabe? Meio que falhando. Ainda tenho alguns objetivos e sonhos mas tenho que te apagar deles antes de tirá-los da gaveta. Sei que posso contar com alguns bons amigos. Não os mesmo nem tantos quando antes mas definitivamente melhores. Risadas? Sempre, é claro. Você sabe que sei ver a graça até na desgraça. Admito que meus fins de semana saíram do ritmo mas isso é questão de tempo até adaptar a nova época. Quanto aos desapontamentos só me resta um. Nenhum outro tem a menor significância, nem me abalam, nem um arranhãozinho sequer. E não é o que você pensa. Não é a sua ausência que me machuca. É justamente o fato de haver uma ausência. Olha, seria muita presunção sua achar que meu vazio tem exatamente suas medidas e minha mão só fica bem com a sua. Tenho quase certeza de que há alguém perfeito pra ocupar seu lugar.

E esse é o problema.

Porque quando conheço alguém me pergunto se é melhor que você, se me completa como você completava, se tem ou não as qualidades que eu tanto admirava em você, se tem ou não os defeitos que eu ignorava em você. Percebe? Então conte quantas vezes eu digo “você” e talvez entenda. Até quando você não está as coisas são sempre sobre você. E eu sei que não vão mudar. Quem iria contentar-se com menos depois de ter vivido a perfeição? Se com você era tudo, sem você vai ser sempre “quase” ou “quase nada” ou simplesmente “nada”. Um “quase” amor, uma poesia incompleta, um filme sem final, um livro faltando páginas. Os menores gestos, as palavras mais insignificantes vão gerar uma comparação “quase” involuntária.

É porque o Depois de Você já existe. Então o Sem Você se torna fisicamente impossível. E sem você, meu bem, nada faria sentido.



“Às vezes não consigo compreender como outro pode amá-la, ousa amá-la, uma vez que eu a amo tão unicamente, tão profundamente, tão perfeitamente; uma vez que nada conheço, nada sei e nada tenho, além dela.”

Trecho em transcrição literal de Os Sofrimentos do Jovem Werther, J.W. Goethe

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Em amarelo

18 maldades alheias

Para ler ao som de “Do teu lado”, de Leoni.

Você tem me feito uma falta absurda esses dias. Ainda maior do que aquela habitual que tenho sentido desde que foi embora. Na maioria das vezes é tão intensa que eu tenho até medo de que ela vá se personificar em qualquer coisa amarela pra me fazer companhia. Não sei, mas acho que se a saudade tivesse cor seria essa, amarelo. É a cor que eu penso quando recordo tudo o que passamos e é a cor dos meus sonhos em que você aparece.

E esse fim de semana em que estivemos juntos não aliviou em nada. Ao contrário, só me fez perceber o quanto me iludia nesses últimos meses, achando que era forte e podia agüentar essa. Cada minuto perto de você era um minuto mais perto da hora que eu teria de dizer adeus novamente. Eu queria tanto matar o relógio, enforcar o tempo e roubar só mais uns instantes do teu lado.

Confesso que naquela parte da estrada em que seguimos caminhos diferentes não pude nem olhar. Não pude te ver indo embora de novo, sem nem saber porque a vida estava me sacaneando desse jeito, tirando o que mais me importa. Você esteve comigo nos momentos mais difíceis e nos mais maravilhosos também. E agora todos os momentos em que não está são só momentos. Vazios ocos incompletos. Trocamos nossos devaneios mais loucos enquanto largávamos do ônibus no fim da tarde e íamos pra casa andando, mesmo sob chuva. Até preferíamos a chuva. Mexia com a gente, de alguma forma que eu ainda não entendi e nem pretendo entender. A gente cantava tão alto! Lembra das criancinhas na janela daquela casa, nos olhando assustadas? E a música, você lembra? “Estranho seria se eu não me apaixonasse por você”.

Tenho tentado controlar essa coisa que vive dentro de mim e que vive dentro de você. Que nos empurra, não nos deixa sentar, que instiga a buscar alguma coisa que não está aqui mas além dessas linhas traçadas nos mapas. Dia após dia eu adio minha ida na vã esperança de que você vai voltar. E aquela música que você cantarolou no meu ouvido em uma das repetidas vezes em que nos abraçamos tem me perseguido como um nazista persegue um judeu. “E eu ainda nem fui embora e já estou com vontade de voltar”.

Quando cheguei em casa, depois da despedida, começou a tocar uma música no rádio. Mais por ironia do que por coincidência. Aquela mesma. Você tem um All Star azul? Eu nunca tive. Mas preto de cano alto já. Foi aí que um arrepio me gelou os ossos ao constatar que por puro egoísmo de sua parte, o pedaço de mim que levou dessa vez foi muito maior. Dói muito mais. Por isso devo pedir que, quando vier, na próxima vez que nos virmos, que seja pra sempre. Não me deixe de novo pois todas as vezes em que me despeço não posso me livrar da sensação de que é definitivo. E quantas vezes mais serão precisas pra que você me destroce por inteira?


"Não sei se devo, também não sei se posso, se é. Permitido? Sei lá, acho que também não sei o que é dever ou poder, mas agora estou sabendo de um jeito muito claro o que é precisar, certo? E quando a gente precisa, não importa que seja proibido. Querer? - Querer a gente inventa".

 
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