sábado, 12 de março de 2011

Sacrifícios

Para ouvir ao som de Like a Song, da Lenka.


Faz talvez sete ou oito anos, num acampamento parcialmente esquecido, no último dia eu e algumas amigas fomos encarregadas da penosa missão de comunicar um falecimento. Não sei se você já teve que fazer isso, mas se não espero que nunca precise. Nem fui eu quem disse alguma coisa e senti como se tivesse acertado uma joelhada nos rins da pessoa. Era tanta dor que eu tive que desviar os olhos, sem que isso me tenha permito esquecer a cena.

Mas feliz ou infelizmente pouca coisa é mais difícil do que ter que dizer adeus. Não existe palavra mais pesada ou mais impronunciável. A boca treme pra dizer, os dedos gelam pra não ter que escrever. Mas às vezes, e como eu agradeço por ser só às vezes, a gente fica sem escolha e não tem outra saída. Caímos numa encruzilhada e somos birrentos demais pra fazer a volta. Às vezes é preciso deixar o egoísmo de lado, pensar mais nos outros e no que é bom pra eles também. Ser mais altruísta, entende? Deixar as coisas irem porque sem você estariam a salvo. Estariam – admita – melhor sem você.

Tem dias que você acorda e a vida te pede pra deixar algumas coisas. Não como um teste ou algo assim. Isso não é um jogo. É só a vida. Vez em quando tem umas dessas, vai fazer o que? Se a dor de deixar partir é ainda maior do que a dor de manter por perto, é preciso medir em longo prazo. Se tudo no que você pensa parece dar errado talvez precise pensar de um jeito diferente. Você passa noites em claro procurando um bom motivo para deixar quando na verdade já têm muitos. Só está esperando um que entenda, que te convença, que faça parecer mais suportável ou mais lógico. Na verdade procura um motivo que desmereça todos os outros, justamente pra não ter que deixar nunca. Porque o pior do adeus é que por mais intenso que seja sempre parecerá parcial. Você ainda tem as lembranças, os dias quietos, os espaços vagos e, acima de tudo, tem a esperança de que o adeus não seja eterno. Deixar às vezes é a melhor escolha. Não a escolha certa, o certo é instável, flutua entre as ocasiões. Não dá pra dizer que uma escolha é certa quando faz alguém sofrer. É melhor porque poupa das dores futuras, as suas e de quem você deixa.

Eu sinceramente trocaria toda dor de um momento de despedida por uma dor incômoda e diária. Só pra não ter que dizer, só pra não ter que borrar os olhos mais uma vez. E o tempo insiste em passar rápido e simplesmente não dá pra perder ainda mais com medo, com as pernas bambas.

Não é abandonar. Abandonar é jogar por cima dos ombros sem olhar pra trás nem pra ver onde caiu. Deixar, pura e simplesmente, é diferente. Deixar é o beijo de despedida na testa. É a tentativa falha de controlar o choro, as promessas frustradas. São os dedos que se tocam até que a distância não mais permita. Virar-se e continuar vivendo ou sobrevivendo, ainda que cambaleante. Deixar é quando você sente que perdeu, é quando você torce pra alguma coisa ou alguém (mais “alguéns” do que coisas) não te esquecer, é quando levam parte de você. Às vezes, parece, levam a alma toda. Deixar é quando, apesar de aliviar a bagagem, o peso sobre as costas parece muito maior e os joelhos ficam mais fracos. É entender que Maquiavel não estava sendo frio e calculista quando afirmou que sacrifícios devem ser feitos para um bem maior. Ele estava sendo sensato.


“E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. (...) Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no prato. A dor de perder alguém em vida é pior do que a dor da morte, porque é o nunca mais de alguém que se poderia ter, já que está vivo e por perto.”.

11 maldades alheias:

Ricardo Miranda disse...

Só quem precisa dizer um adeus, com a consciência de que aquele será pra sempre, consegue descrever como é a dor.

É mais que doer. É sufocar, é você não conseguir imaginar sua vida dali pra frente.

Enfim, belíssimo texto! (como sempre, né?)

:)

HONORATO, Sandro. disse...

Olá e ai tudo bem?
Estava com saudades dos seus textos *-*
Alias,este ficou demais xD

Beijos e uma excelente semana
............................
RIMAS DO PRETO

Rubi disse...

Dizer adeus é sempre difícil, pior ainda é quando estamos sozinhos e começamos a pensar nas coisas, bate aquela saudade ... e o que já ruim fica pior.

" A dor da saudade, quem é que não tem, olhando o passado quem é que não sente saudade de alguém ... "

Parabéns pelo texto!

Alana Driziê disse...

O adeus é sempre a pior parte... mas às vezes é necessário (e muito!). Lindo...

♥MáH♥ disse...

A despedida sempre é dolorosa. Deixar as coisas acaba doendo de certa forma, pra quem deixa e para quem ou o que é deixado.
Mas li uma vez uma frase num livro que guardei pra sempre na memória : " a melhor maneira de sair é sair completamente" Eu concordo.
;)


Não te achei no skoob, estou deixando meu link
http://www.skoob.com.br/usuario/241567

Beijinhos

Anônimo disse...

Realmente como já disseram nos comentários, excelente texto.
Adeus realmente é uma palavra forte, mas depende da forma e onde é falada.
Solidão é horrível. O Som do silêncio é ensurdecedor.
Abraço

Carla Farinazzi disse...

É... a morte em vida é a pior mesmo, Lud.

Dizer adeus, ou ouvir adeus é como um parto.
Aliás, a separação é difícil.

Lembro da música de Chico Buarque, Metade de Mim, em que ele descreve essa dor à perfeição, quando descreve a saudade.

Excelente texto, beijos,

Carla

Everson Russo disse...

O adeus sempre trará dor...beijos de bom domingo e uma bela semana pra ti amiga...

♪ Sil disse...

Lud,

Qualquer forma de Adeus, é dor.
Mas ainda não tenho como classificar a DOR que é perder uma pessoa para uma nova dimensão..
É uma dor que o tempo não apaga, que trinca os ossos, a alma.
Uma dor que nem tem nome.

Deixo aqui um abraço imenso pra ti!

Unknown disse...

deu pra sentir na alma. também não gosto de adeus e, às vezes, até tento evitar com um 'até logo' que sei, nunca se cumprirá.

belo texto! obrigada pela visita. (:

Everson Russo disse...

Uma otima quinta feira pra ti minha querida amiga...beijos.

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